« Beyoncé, la loge VIP et le racisme institutionnel »

Nous publions ici l’original – et sa traduction – d’un article, signé Jocélio Teles dos Santos, paru dans le quotidien A Tarde, le 12 février 2010. Dans la version imprimée, l’article a subi des coupures (le contrôle d’identité et de domicile), commence à « Provocado pela midia (…) »  tandis que le titre est le suivant « A estrela, a ala vip e o exemplo de racismo institucional ».
Remarque du flâneur : le lecteur attentif observera la cruauté d’un mot tel que « estilo » dans la langue du pouvoir.

Beyoncé, a ala Vip e o racismo institucional

par Jocélio Teles dos Santos

Na madrugada do dia 10 de fevereiro um dos canais de televisão pagos projetou o filme O Homem Errado de Alfred Hitchcok (1956). Trata-se de um músico (interpretado por Henry Fonda) de uma casa noturna, religioso, casado, de vida pacata e que é confundido, acusado e preso pela polícia americana por um crime que não cometeu.
Ao ver o filme eu me perguntei: e se o personagem fosse de cor na sociedade americana de antanho ou na atual sociedade brasileira? Qual seria o roteiro e o desfecho? A resposta veio em menos de vinte e quatro horas. Provocado pela mídia me desloquei com um amigo para o show de Beyoncé no Parque de Exposições de Salvador.
Havíamos comprado ingressos para a pista Vip no intuito de uma melhor visão do show da mega estrela. E esta área estava restrita a quem pagasse R$370,00* por cabeça. Enquanto assistíamos ao show de Ivete Sangalo deparei-me com um fato que exemplifica o racismo institucional.
Uma guarnição da Polícia Militar abruptamente abordou o meu amigo, circundando-o e já levando-o de modo truculento, sem nada perguntar, segurando-o pelo braço por trás, pela camisa, na costumeira fila, dita indiana, da corporação do Estado.
Ao me aproximar para saber o que estava acontecendo, os soldados me afastaram e não tive outra alternativa que acompanhá-los no meio da fileira, mesmo falando que estávamos juntos e procurando saber do que se tratava.
A resposta do corpo policial traduziu força e ameaça, mesmo que implícita, sem nenhum texto, a não ser o gestual, demonstrando que não há verbo capaz de estabelecer um possível diálogo entre sujeitos que detém e os que devem ser alijados de alguma relação com quem personifica o poder.
O meu amigo estupefato não reagiu. Foi levado para um canto da pista VIP, próximo aos holofotes e humilhado pela revista policial, como se estivesse cometido um delito. Sendo obrigado a mostrar a carteira de identidade, teve que dizer onde residia e, por fim, após a crueldade de todo o rito da PM, ouviu a seguinte frase do responsável pela guarnição: « Houve um roubo aqui na área VIP e soube que a pessoa era do seu estilo ».
Qual estilo, cara pálida? Respondo: o da cor/raça. Meu amigo é negro retinto.
A área VIP era formada majoritariamente por indivíduos de classe média e branca. Se comparada com a área de pista mais barata – preços no valor de 80,00 e R$160,00 – ali havia uma proteção policial considerável, mesmo sendo uma área cara, reservada e sem grande fluxo de pessoas.
Durante o evento havia sempre duas guarnições. A lógica da distribuição policial em espaços de eventos elitizados parece obedecer a critérios. Quais? Procuremo s os sentidos implícitos, já manifestos na distribuição desigual da PM na cidade do Salvador.
Diante desse fato de racismo explícito, o que dizer dos olhares das pessoas diante de tal brutalidade?
Mesmo que elas estivessem freneticamente dançando ao som de Sangalo, não houve reações, o que demonstra a subjetividade e a introjeção do racismo na sociedade brasileira.
Ao ver um negro sendo levando por policiais, mesmo ele estando na área VIP, algo que indica um diferencial em termos de classe, um sentimento de proteção emana das cabeças ali situadas.
A naturalização do racismo – uma pessoa negra sempre é suspeita – associa-se aos que imaginam estarem sempre sendo protegidos pela corporação militar.
Exemplos como esse abundam no país. O diferencial é que foi na ala VIP de um show. Lembro-me que no debate sobre as cotas raciais nas universidades os que eram contrários insistiam em dizer que no Brasil era difícil definir quem é negro. A resposta dos ativistas atualizou-se na área VIP para ver Beyoncé: « Pergunte à polícia e eles saberão ».

Beyoncé, la loge VIP et le racisme institutionnel

Dans la nuit du 10 février une des chaînes de télévision câblée a diffusé le film « The wrong man » (Le faux coupable) de Alfred Hitchcok (1956). Il s’agit de l’histoire d’un musicien (interprété par Henry Fonda) de boîte, religieux, marié, à la vie tranquille et qui est identifié, accusé et incarcéré par la police américaine pour un crime qu’il n’a pas commis.
En regardant le film, je me suis demandé: et si le personnage avait été de couleur dans la société américaine d’alors ou dans l’actuelle société brésilienne ?Quel serait le scénario et le dénouement? La réponse est venue en moins de vingt-quatre heures.
Incité par les médias, je me suis rendu avec un ami au show de Beyoncé au Parque de Exposiçoes. Nous avions acheté nos billets pour  la loge VIP, zone restreinte à ceux qui payent 370 reais. Pendant que nous assistions au show de Ivete Sangalo est apparu un exemple de racisme institutionnel. Une garnison de la Policia Militar aborda abruptement mon ami, l’entourant e l’emmenant de manière brutale, sans rien demander. À m’approcher pour savoir ce qui se passait, les soldats m’ont écarté. Je n’ai eu d’autre alternative que de les accompagner au milieu de leur file, même en disant que nous étions ensemble et voulant savoir ce qui se passait.
La réponse de la corporation policière montra force et menace, bien qu’implicite, sans aucune parole, à l’exception de la démonstration physique, et démontra qu’il n’y a de mots capables d’établir un dialogue entre des sujets qui arrêtent et ceux qui doivent être déchargés de quelque relation avec ceux qui personnifient le pouvoir.
Mon ami stupéfait n’a pas réagi. Il a été emmené dans un angle de la loge VIP, sous les projecteurs et humilié par la fouille policière, comme s’il venait de commettre un délit. Étant obligé de montrer sa carte d’identité, de dire où il résidait, et à la fin, après la cruauté de tout le rite de la PM, il a entendu: « il y a eu un vol ici dans la loge VIP et on a su que la personne était de ton type ». Quel type, cara palida? Je réponds: celui de la couleur/race. Mon ami est noir, d’un noir profond.
La loge VIP était formée majoritairement par des individus de la classe moyenne blanche. Si nous comparons avec la piste aux tarifs moins chers – prix de 80 reais et 160 reais -, il y avait une protection policière considérable, même étant une zone réservée et sans grand flux de personnes. La logique de la répartition policière dans les espaces élitisés semble obéir à des critères. Lesquels ? Nous cherchons les sens implicites, déjà manifestes dans la répartition inégale de la PM dans la ville de Salvador.
Devant ce fait de racisme explicite, que dire des regards des personnes devant une telle brutalité ? À voir un noir en train d’être emmené par des policiers, même étant dans une loge VIP, ce qui indique une différentiation en termes de classe, un sentiment de protection émane des personnes présentes là.
La naturalisation du racisme – une personne noire est toujours suspecte – s’associe à ceux qui imaginent être toujours protégés par la corporation militaire. Des exemples comme celui-ci abondent au Brésil. La différenciation fut que cela se passa dans la loge VIP d’un show. Je me souviens qu’au cours du débat sur les quotas de race dans les universités ceux qui y étaient opposés insistaient à dire qu’au Brésil il était difficile de définir qui est noir. La réponse des activistes s’est actualisée dans la loge VIP pour voir Beyoncé: « demande à la police. Elle saura ».

Jocélio Teles dos Santos

jocelio1Jocélio Teles dos Santos est anthropologue et professeur de l’université fédérale de Bahia (UFBA). Auteur de nombreux livres, entre autres sur l’univers musical de Bahia (« O poder da cultura e a cultura no poder: a disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil »/Edufba) (Sócio-antropologia da música baiana – Lívio Sansone e Jocélio Teles dos Santos – SP, Dynamis Editorial/Programa A Cor da Bahia – 1998 – 240p.), il a été directeur du prestigieux Centro de Estudos Afro-Orientais à Salvador. Il est de profil, à droite sur la photo, prise en octobre 2008, dans les locaux du CEAO.

* Le salaire minimum au Brésil est de 510 reais.

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1 réponse

  1. Ceci dit :

    Tu exagere dans ton lead. Comme toujours.

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